Figas no Jornal de Notícias

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Aquando da entrevista ao JN nos seus 120 anos.

Poder

Pensamento do Conde:
O poder não reside em quem pensa que manda mas sim em quem desobedece.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Já não se morre como dantes!


JÁ NÃO SE MORRE COMO DANTES!
Numa manhã, climaticamente polivalente, meti os noventa cavalos do meu carrinho à estrada, a caminho de Ofir, onde tinha um almoço marcado na Cabana, não para os cavalos, mas para mim.
A grande velocidade, um carro fúnebre ultrapassou-me, aliás um carrão, talvez com mais de duzentos cavalos! Ia grande velocidade! Imaginei que o morto estaria cheio de pressa e, se calhar, até pagaria taxa de urgência para não cheirar mal!
Já lá vai tempo em que uma pessoa passando desta para melhor, (melhor?) logo alguém ia de porta em porta e avisava todas as casas do lugar de que um dos seus tinha sido abatido ao rol dos activos. Como tal, precisava de ajuda formal para a passagem ao passivo! Para o velório o corpo jazia em casa da família.Havia sempre espaço para o morto, que era o mesmo que ocupava enquanto vivo. Normalmente era na sala de visitas, de jantar ou até mesmo no quarto onde antes dormia. Na noite do velório, os amigos do ex-vivo espalhavam-se pelos cantos da casa, enquanto que a família providenciava uns bagaços para aquecer conversas e anedotas, que se o morto as ouvisse daria boas gargalhadas, mas não, ali estava ele a cumprir o seu papel de a nada achar piada. À hora do funeral, o armador, nome dado a quem encarregado de organizar o cortejo fúnebre, tratando de, entre os presentes, arranjar voluntários que vestissem as opas roxas e transportar a cruz e grandes velas.
Na hora da despedida, se a família do falecido era de posses, lá vinha, do Porto, de qualquer asilo, um grupo de meninos desamparados, de cabeça rapadas e capas pretas, que viajavam de carro eléctrico até Gondomar, para abrilhantar o desfile da dor!
Antes de iniciar a marcha, não nos modernos carros fúnebres de hoje, mas sim de carreta, com travões às quatro rodas, um grupo de carpideiras pagas fazia ouvir seus lancinantes gritos de dor, (algumas aproveitavam para treinar suas vozes tenoras para o coro da igreja) já que a família, cansada e prostrada pela dor para isso pagava, para fazer chegar ao céu as recomendações pelo viajante que ia caminho!
Não eram raros os funerais de mais de cem homens, (as mulheres não iam) divididos em duas filas, caminhando pela beirada da estrada, onde o trânsito era do tipo do lá vem um, de hora a hora, e quando um carro vinha e deparava com aquele espectáculo, enconstava à berma e esperava que o cortejo passasse, ouvindo o coro dos meninos desamparados, que, pelo seu serviço, nesse dia teriam sopa melhorada. Por vezes, desde a casa até à Igreja o cortejo demorava mais duma hora, em caminhada lenta, dando tempo que os assomados às janelas vissem a importância social de quem ia ali na carreta, cujas rodas, nas descidas, deixavam escapar gritos de dor, devido aos apertos que sofriam dos travões, a mando do condutor que ora os apertava ou aliviava, não fosse a carreta desarvorar estrada abaixo e o morto morrer segunda vez!
Velhos tempos! Agora já não se morre como dantes. Uma pessoa morre e quase que ninguém sabe! Quando se lê o anúncio no jornal, ... o defunto já se foi a grande velocidade, num moderno carrão, e pelos gatos pingados profissionais depositado na capela mortuária da Igreja local, e os mesmos pegam no caixão e o trasnportam, porque quase que já não há pessoas de família ou não o querem fazer.
Hoje é tudo a correr! Até para o cemitério já se vai muito mais depressa! Quando uma pessoa morre, o povo diz que foi desta para melhor! Será por isso a grande velocidade?. Foi o que eu pensei quando vi aquele carrão fúnebre a ultrapassar-me.
Quando chegar a minha vez, francamente, prefiro ir a pé...devagar!
C’ós diabos. É preciso dar tempo ao S. Pedro para preparar os aposentos.
E eu não tenho pressa.
Autor: Silvino Taveira Machado Figueiredo (figas de saint pierre de lá-buraque)
Foto: Ata na Serra da Aboboreira (Baião)

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