Figas no Jornal de Notícias

Figas no Jornal de Notícias
Aquando da entrevista ao JN nos seus 120 anos.

Poder

Pensamento do Conde:
O poder não reside em quem pensa que manda mas sim em quem desobedece.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Óculos mágicos

Óculos mágicos!

Era um par de namorados, muito amorosos, verdadeiramente apaixonados. Pelo menos aparentemente. Vistos muitas vezes em banco de jardins, sentados, bem encostadinhos e aos beijinhos. Não vezes poucas aos beijinhos com as línguas nas bocas! De mãos dada era o normal, mas, por vezes, deitados na relva, até pareciam em acto sexual! O casamento estava para breve. O problema, visto que eram simples operários de salário mínimo, seria arranjar dinheiro para a boda, para a casa e para a renda, para a mobília, roupas, etc.
Para tudo isso, eles jogavam, em sociedade, no euromilhões, e em cada semana neles rodava a esperança de que saísse prémio que todas as despesas cobrissse, já que nenhuma herança estava previsse!
Marés era ela que preenchia o boletim, outras vezes era ela e um ou outro ia registar o boletim das apostas.

Dizem que o dinheiro dá felicidade, mas o que depois se passou demonstra que nem sempre é verdade.

Ao par dos amorosos apaixonados, finalmente, saíu um prémio do euromilhôes, e não era pequeno, exactamente 20 milhões de euros!
A notícia, como onda cor de rosa, correu a banhar os apaixonados e as respectivas famílias. Sobre as suas casas pairou um imenso céu azul, sem qualquer nuvem negra!

Já não era só dinheiro que havia para a boda, para a casa, mas sim, também para férias no estrangeiro, para uma casa no Algarve e talvez um Mercedes ou um BMW, ah, e sem dúvida, como eram adeptos ferrenhos do futebol, queriam acompanhar o FCP para todo o lado.

As famílias viram nos seus rebentos, um fortes troncos donde pudessem tirar bons proventos, pois que também eles, precisavam de melhorar as casas e mais algum, para não envergonhar os filhos nos gastos do dia a dia. Um carrito, para cada família, vinha mesmo a calhar!

O problema, sim, o problema, é que na semana em que saiu o prémio, ela antes achou que ele não lhe tinha atingido a média de beijos, normalmente dados, e até sentiu que a língua dele tinha menos saliva! Discutiram por causa disso.

Certo, é que ele, nessa semana, tinha registado o boletim sem a companhia dela, embora fosse ela que o tivesse preenchido, como quase sempre o fazia. Aquela semana, em que tinha havido a discussão por causa dos beijos, saíu-lhes vinte milhões de euros! Vinte milhões! Muito dinheiro, que era o espelho onde ele se revia em fazer o que lhe apetecesse sem dar a cavaco a ninguém. A tentação era uma tesoura que cortava as amarras a qualquer compromisso, inclusive o de lealdade, até porque ele não gostava muito da família dela, que achava que a sua linda filha não era chinela para o pé dele. Já a família dele, embora não gostasse da atitude dos pais dela o que lhes importava era que seu filho gostasse da rapariga, que tinha preenchido a chave do prémio e dava saltos de alegria, ansiando o momento de saltar ao pescoço do namorado e cobrir-lho de beijos e abraços.

Na memória surgiu-lhe aquele vestido de noiva, que tinha visto numa montra, no Porto, carísssimo, por ser peça única de estilista de renome.
Ela e seus pais, meteram-se a caminho para, em conjunto, festejarem com os futuros parceiros. Mas quê! Nem ele nem sua família estavam em casa! Estranharam. Alguém da vizinhança disse que tinham ido para Lisboa.
-“Ai os estupores”, logo disse o pai da miúda.
“Cheira-me a esturro”, disse a mãe.

Por sua vez, sucessivas chamadas feitas pela namorada não obtinham resposta. Fácil era de adivinhar a traição.
Foi então que resolveram apanhar o combóio para estarem à porta da Santa Casa, à hora da abertura para apanhar o traidor. Nesse momento até desejavam que já houvesse o TGV.
Tinham a intenção de estarem à porta da Santa Casa, uma horas antes da sua abertura ao público, para pagamento de prémios. Assim foi, mas quando lá chegaram logo viram o rapaz e seu séquito. Logo ali gerou-se a confusão, sendo necesssária a intervenção da polícia, que ouvia as versões: uma que um é que tinha preenchido e registado o boletim, enquanto que a outra dizia que o tinha preenchido e que o rapaz é que o tinha registado, e à vezes até era ela que o fazia.

Certo, e testemunhado, é que no agente da Santa Casa, onde costumavam registar as apostas, toda a gente sabia daquele par de apaixonados, que jogavam em sociedade, há seis anos. Logo ali, junto da Polícia presente, foi interposta uma acção cautelar para que o prémio não fosse pago até a situação ficar clarificada judicialmente. O caso seguiu para tribunal. Seus trâmites duraram anos, com os advogados a esgrimirem argumentos legais e morais e ao mesmo tempo sabendo que também iriam ser herdeiros dos bens patrimoniais, aplicando os normais 10%, ou mais, sobre o quantia que algum deles recebesse. No final, a sentença, depois de todo o escândalo que percorreu a terra natal dos litigantes, foi salomónica: metade para cada um; ou seja dez milhões de euros, o que na prática foi menos de nove milhões a cada, depois de pagarem aos advogados e as despesas judiciais do todo o processo!

Arrumada a questão, e com o leite doce do antigo amor azedado, ele, armado com os seus milhões, partiu em busca da felicidade. O primeiro passo, foi comprar um apartamento nas Antas e um camarote no estádio do Dragão.
Como acompnhava o FCP para todo o lado, um dia foi ao estádio da Luz, onde brilhou a luz dum novo amor! Tendo ficado perto da claque benfiquista, viu uma rapariga que lhe chamou a atenção. Era bonita e sensível, porque chorava a cada golo que o Porto marcava ao SLB.
O resultado final foi quatro secos! Ela chorava como Madalena!
Ela ansiava por consolá-la.
Acenava-lhe, fazendo-lhe olhinhos, como que a dizer-lhe:
-“Deixa pra lá. É natural. Não chores”.

Todas a vezes que o Porto marcava, ele via os olhos dela, que choravam!
Com seu telémóvel na mão, ele fazia-lhe gestos para que ela lhe desse o número do telefone.. Ela, reparando que ele estava muito bem vestido, com roupas de marca cara, bom relógio e boa corrente de ouro ao pescoço, após alguma hesitação, com os dedos da mão, mostrou, espaçadamente, os algarismos pretendidos.
Passados momentos, o telefone dela tocou! Era ele, porém, teve ela teve que desligar, porque o FCP tinha acabado de marcar e ela não podia falar a soluçar! Passados uns minutos foi ela que lhe ligou, pedindo desculpa do seu amor pelo Benfica, que a tornava tão chorosa.
.”Não faz mal. Compreendo, mas se não houver inconveniente para a menina eu gostaria de falar consigo, depois do jogo. Podíamos marcar um encontro, aqui num café dentro do Estádio da Luz.”
Acertados os pormenores, lá se encontraram e falaram de tudo um pouco, como que usando materiais para cimentar um bom pavimento, por onde pudessem caminhar juntos, em segurança!
Chegou o tempo dela ter de regressar a casa. O encontro, futebóis à parte, tinha sido muito agradável e logo outro encontro ficou marcado para o Domingo seguinte. Ele, como prova de boas intenções, não iria ao Dragão ver o Porto, mas sim até Lisboa, onde ela o esperaria e também abdicando de seguir o seu Benfica até ao Algarve!

Entretanto, no decorrer da semana, foi grande o fluxo de mensagens entre eles. O amor é o que mais rende para as operadoras dos telémóveis!

Ela revelou-se uma guia com grandes conhecimentos, levando-o a passear ao Jardim Zoológico, ao Oceanário,
ao Planetário, à Estufa Fria, ao Museu da Ciência, etc, etc.

Em determinada altura, ele ficou a saber que ela, vinda duma família, que vivia em dificuldades, mas que tudo fazia para que sua filha, que desde sempre tivera as melhores notas, terminasse o curso de medicina na área da investigação! Ele, por sua vez, disse que vivia dos rendimentos, porém, quando ela perguntou qual sua fonte ele “confessou” que lhe tinha saído um chorudo prémio na lotaria, que era agente imobiliário, e que estava a pensar em dar o nó para estabilizar a sua vida.

Com o tempo, tal ideia foi lavrando seu caminho, porém, uma dúvida o assaltava; não fosse ela, inteligente como era, casar por causa da sua fortuna, dos seus milhões.

Um dia, tomou coragem e disse à namorada os milhões que tinha e que, para ficar descansado, precisava, antes do casamento, que ela lhe desse uma prova de amor. Não. Não era para ela, prèviamente, oferecer-lhe a virgindade, antes do casamento. Não, até porque ele também não tinha dado a dele a ninguém!
Era uma coisa bem mais bem simples, embora um pouco dolorosa. Queria que ela rasgasse o cartão de 10 anos de sócia do Benfica e que se tornasse sócia do Porto, para se sentar no seu camarote reservado, à vista de todos os benfiquistas presentes.
Ela, hesitou, hesitou, pensou, chorou, porque era assim mesmo mesmo; o seu Benfica fazia-a sofrer muito, e isto do seu amor querer que por amor ela deixasse de ser do Benfica custava muito! Mas, é sabido, o verdadeiro amor vence sempre! Ali, à frente dele, aos soluços, rasgou o cartão do Benfica. Ele abraçou-a, consolando-a, dando-lhe esperanças que o seu Porto lhe daria mais glórias e que o seu amor por ela seria como o fogo do seu Dragão, que a aqueceria na vida. Aliás, sua casa, já construída, para tudo estava preparada, para ser aquecida ou arrefecida.

O tempo das viagens a Lisboa acabou, logo que ela seu curso terminou. O casamento foi marcado e realizado no Porto, na Igreja das Antas, pois então, mesmo ali, à beirinha do Dragão.

Na quinta, onde se realizou a boda, estava tudo engalanado de azul. Era azul por tudo lado! Só a noiva ia de branco puro, com o vestido, que a ex dele tinha desejado, mas ela nem o sabia!

Comeu-se e bailou-se até altas horas. Tinha sido uma festa de arromba! Os pais da noiva, vindos da Sertã, viram-se fritos no meio de tanta comida, tanta etiqueta e tanta dança, fornecida por uma das melhores firmas promotores da organização de casamentos e outros eventos.

Entretanto, a casa, de luxo, que ele tinha mandado construir, serviu de abrigo para a primeira noite de núpcias!
De manhã, ele viu, mas não ligou a algumas manchas de sangue espalhadas no lençol. Fez que não viu e atribuiu tal facto aos resíduos da paixão que ela teve pelo seu Benfica!

No outro dia, por vontade dela, apanharam o aviâo para Paris, onde ela satisfez o seu desejo de visitar o Louvre, o Museu do Homem e passear pelo Trocadero e treinar o seu francês. Ele achou que Paris era um sítio lindo, onde seria possível utilizar a ferramenta dos seus milhões no deleite dos espantos. Espantado estava com o hotel onde estava; o Concorde (onde este escriba já lá dormiu, grátis).
Sim senhor, aquilo é que era um hotel, um mundo! Todavia, o mais importante era o quarto, onde se realizavam jogos entre ele e ela na cama, como se fosse um Benfica-Porto, em que ele procurava ficar sempre por cima!

No decorrer da quinzena da visita parisiense, já após muitas visitas aos jardins do Luxemburgo, subidas à Torre Eiffel, visitas à Notre-Dame, ao Sacré Coeur, e passeios pelos Champs-Élysées, numa manhã ele viu grandes manchas de sangue na cama! Não, não podia ser, pensou ele. Aquilo não era como o combinado. Ela tinha dito que tinha deixado o Benfica, e afinal ali estava vermelho, por toda a parte!

“-Que é isto”, perguntou ele, apontando para as manchas vermelhas.
-“É do período, meu amor”
-“Mas, estão o período de seres do Benfica não passou?
As manchas têm de passar a ser azuis. Tu és uma cientista. Desenrrasca-te ou então há divórcio”, exclamou ele, indignado e sentindo-se traído.

Ela, já formada em investigação, logo viu que ali tinha bom material para investigar. Logo compreendeu que os portistas tinham uma cabeça dura, como pedras! Por isso não era de estranhar que os autocarros do Benfica ficassem danificados com estas cabeças duras.
Meigamente, lá tentou explicar-lhe a natureza das coisas, e que mesmo ele mesmo não podia obrigar o seu Dragão a cuspir fogo azul. Cupia, sim, era vermelho ou amarelo com que muitas das vezes queimava as vermelhas penas da águia, ficando esta muito chamuscada!

Ela, acalmando-o, convidou-ou, meigamente, a ler alguns livros sobre a natureza da condição feminina, mas mesmo assim vendo que ele tinha algumas dúvidas de que o sangue não pudesse ser azul, propôs-lhe que ele se inscrevesse num curso das Novas Oportunidades, para que duma maneira simplex compreendesse a razão do sangue ser vermelho!
No decorrer do curso e expostas as suas dúvidas ao Professor de Altas Tecnologias, este em colaboração com a Universidade do Porto, desenvolveu uns óculos que transformavam o vermelho em azul! Fantástico!

Quando recebeu o o Diploma, também recebeu esses maravilhosos óculos, reagentes ao vermelho, transformado-o em azul!
Chegou a casa todo contente. Depois, pediu à mulher que o avisasse quando houvesse manchas de sangue na cama.. Ele punha os óculos e o assunto ficaria resolvido. O vermelho fica azul.

Ela ficou toda contente com a solução encontrada, e como prova de solidariedade, pediu que ele lhe oferecesse uns óculos iguais. Depois, quando juntos iam ver um Porto-Benfica ou vice-versa, tudo era azul, como se fosse a equipa A contra a B, mas ambas do Porto!
O resultado era sempre a favor do azul.

E assim, com estes óculos mágicos, não havia problema com os vermelhos.

O inventor dos óculos mágicos foi galardoado com o prémio Nobel da Ilusão. O resultado foi que, depois de patentear o invento, teve um enorme sucesso na venda de milhões de pares aos americanos, e não só, para que cada soldado visse sangue azul quando matasse Talibãs e outros.

Perante tão estrondoso êxito, o inventor já pensa nuns criar uns óculos que transformem a negra crise europeia em cor-de-rosa, podendo issso beneficiar cada desempregado e cada beneficiário do Rendimento Minimo de Reinserção Social. Para já, ui! são muitos os fregueses em bicha:
Islândia, Grécia, Irlanda, Portugal, Itália, e outros que se seguirão. Porque, afinal, todo o mundo quer um céu azul!

Quando interrogado se pensava em arranjar uns óculos, que tornassem a corrupção invisível, ele respondeu que não valia a pena, porque no mercado já há os sacos azuis!
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Autor deste original e nédito, escrito no dia 01 de Dez, entre as as 20 e 21horas: Silvino Taveira Machado Figueiredo
Gondomar

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