Figas no Jornal de Notícias

Figas no Jornal de Notícias
Aquando da entrevista ao JN nos seus 120 anos.

Poder

Pensamento do Conde:
O poder não reside em quem pensa que manda mas sim em quem desobedece.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

TERROR E AMOR!

A noite é noite
simplesmente
vestida de negro
de sombras!

Àrvores
vales e montes escondem-se
fecham-se!

Meus passos
guiados por um carreiro pedregoso
entram cada vez mais fundo
no desconhecido abismo!

Nada vejo
mas sinto o mato lateral
que alto e espinhoso me roça as pernas
balizando minha cautelosa marcha
contra qualquer passada falseada.

Arrepiantes pios de mocho ecoam
lânguidamente fúnebres
por entre as árvores!

Sigo tacteando o carreiro
pelo meio da floresta.

É noite de lua nova
o terreno desce
em declive acentuado.

Minha alma
fremente
sente a tragédia
de quem vai para mortal cova.

Continuo
devagar
a descer
firmando os calcanhares em cada passada.

O vento zumbe e silva
oiço o ranger das árvores e das pinhas
que se despreendem
uma passou-me
de raspão por uma orelha!

Escuto um barulho
serão vozes?
não
é água que corre!

Chego à margem do pequeno riacho
os choupos vergam-se sobre o leito
em furiosas vénias
a corrente é invernosa
arrastam pedras
que rolam
e batem de margem a margem!

Ali fiquei
especado
como numa paragem de transporte!

Como atravessar aquele líquido muro
forte e ruidoso
a caminho duma longínqua e mansa planície?

Talvez que
o pequeno riacho
à luz do dia fosse mais manso
mas
àquela hora
às duas da madrugada
ali estava eu
petrificado
como alma penada
de regresso da casa da minha namorada!

Noite de tempestade
já relampejava
trovões já se ouviam!

De repente
num clarão dum relâmpago
vi árvores refulgentes
em formas de gente
pura ilusão
todavia
sinto mais um aperto no coração
vou engolindo em seco
com tanta água à vista
mas atravessar é preciso.

Com o vento
cada vez mais forte
mais os choupos se vergam!

Entre um clarão
vejo onde ponho os pés
sobre uma pedra
na água mais saliente.

Enquanto não vem outro relâmpgo
fico ali
empoleirado
no meio da corrente
imaginando-me um Neptuno fluvial!

Por ali
o caminho era metade
mais perto
mas quase que não compensava.

Por todo o lado
parecia ver almas do outro mundo
os quartos de horas batiam nas torres das igrejas
e aquela noite de Inverno
que já mais forte trovejava e chovia
me parecia uma amostra do Inferno!

A noite era mais densa
tensa
num contínuo e impenetrável muro
de escuridão absoluta!

De repente
quase que de sopetão
surge um vulto em sentido oposto
seria uma sombra
com pernas?
não
era um ser humano
um homem!!!
afinal
não estava só!

No momento do cruzamento
senti-me acompanhado por mil companhias!

Noite era só noite
mas aquele outro ser
era já para mim um sol
era a luz do dia!
salvámo-nos
o trovão não abafou nossa voz.

Ambos seguimos a caminho de casa
também ele
talvez
de regresso da namorada
com o coração quente
ou em brasa
que resistia à chuva
que nos fustigava o corpo e a mente!

Finalmente cheguei à estrada
para trás ficaram a floeresta
o matagal
reino de almas penadas
associadas ao Mal

O pio dos mochos já não os ouvia!

Por mim
já passavam carros
com faróis incandescentes
e eu já via gente.

Eu seguia
a pé
minha viagem
só a tempestade me acompanhava
e com ela cheguei a casa
todo molhado e encharcado!

Deitei-me
ainda acordado ouvia o roncar do trovão
mas
agora o temporal já estava fora
mas eu sofria
por dentro de meu coração.

Tinha chegado da namorada
mas todo o terror
toda a água da tempestade
não tinham apagado a marca do meu amor
que é uma chama
um fogo
que em mim
neste resto da noite
ainda arde!

Nenhum terror mata o amor!
Boa noite.
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Autor: Silvino Taveira Machado Figueiredo
(o figas de saint pierre de lá-buraque)
Nota do autor: Este texto foi publicado no
Jornal de Notícias em 2 de Abril de 1995,
página 429

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